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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Inteligências Artificiais e educação - Opinião de um professor de Geografia

Antes de tudo é bom deixar claro que este texto vai mudar. Não o texto em si, mas a minha opinião vai mudar conforme vou tendo novas experiências, novas leituras e surgem novas abordagens do assunto. Além disso, o uso deste tipo de tecnologia é muito novo, então seu impacto na sociedade e na educação não está claro.

Além disso, para começar este texto, eu preciso deixar algumas coisas claras: em primeiro lugar, tudo que eu disser aqui faz referência às Inteligências Artificiais (IAs) que geram texto, como o ChatGPT, o Gemini e outras semelhantes; e, continuando, o que posso dizer é sempre em relação às ciências humanas, a área da minha formação e atuação.


Tendo deixado clara a minha posição de fala, posso dizer categoricamente que, até agora, toda Inteligência Artificial (IA) com a qual trabalhei ou meus alunos usaram é uma ferramenta, ou seja, depende do usuário para que seja usada de maneira correta ou o mais próximo disso.

Para deixar bem claro como cheguei a esta conclusão costumo comparar o uso de IAs com a calculadora: de nada adianta usar uma calculadora se você não dominar os conceitos e a lógica matemática.

Depois disso, em sala de aula ou com amigos, eu pergunto quantas pessoas ali já fizeram uma prova de matemática usando calculadora e quantos gabaritaram a avaliação em questão. Normalmente a resposta é zero ou tem uma única pessoa que atingiu nota máxima.

Então, pensando a respeito, eu acabo chegando à ideia de que a calculadora é uma ferramenta, não é a matemática. Por analogia, as IAs são ferramentas e não o conhecimento em si. Em sala de aula e até fazendo uso pessoal das IAs pude comprovar isso diversas vezes.

Com meus alunos eu costumo resolver algumas questões e até fazer alguns trabalhos usando uma IA. Numa tentativa recente, ainda no primeiro semestre de 2024, eu pedi para que ela descrevesse o clima predominante da Itália. A resposta, mais de uma vez, foi a lista de climas do país em questão e as características de todos eles. Tentei comunicar que aquela não era a resposta da minha pergunta e não tive o resultado esperado. Tentei reformular a pergunta e também não deu certo. A solução foi dividir o problema em partes e, só depois, perguntar o que eu queria saber. Perguntei "Qual era o clima predominante na Itália?" e a resposta foram vários climas novamente, tive que perguntar "Qual é o clima que ocorre em uma maior área da Itália?" ou algo parecido para chegar ao clima predominante e, depois, perguntar as características deste. Olhar em mapas do livro didático permitiria resolver a questão de maneira mais rápida e precisa.

E no ano passado, 2023, eu passei um trabalho para algumas turmas para que elas pesquisassem sobre crise da previdência na Europa, fenômeno que possui como causas básicas o aumento da expectativa de vida, que leva a um aumento da população idosa, e uma diminuição da natalidade, que faz a população jovem e adulta ser reduzida em números. Com a sala, passei as instruções do trabalho para uma IA, que elaborou um texto razoável, mas simplesmente deixou de lado a última causa.

Depois dessas experiências, relatos de colegas de profissão, vídeos e textos da internet eu cheguei à conclusão: as IAs são ferramentas e, pelo menos nas ciências humanas, uma possível fonte por onde podemos começar uma pesquisa, mas nunca encerrar ou usar somente ela.

Já na posição de professor e não simples usuário, o surgimento das IAs me forçam a tentar entender como meus alunos estão usando elas e como driblar ou resolver os problemas que surgem disso.

O início é sempre explicar a primeira parte deste texto: as IAs são ferramentas, não os conhecimentos em si. Então, para usá-la é preciso usar outras fontes para confrontar o que você encontrar.

Em segundo lugar, precisamos entender as IAs como fonte de subterfúgio, plágio ou cola para os estudantes. E, nesse quesito, a discussão se torna, em parte, pedagógica e já existe ampla bibliografia sobre o assunto, principalmente em relação ao tema avaliações.

Num trabalho antigo da faculdade eu achei alguns pontos interessantes levantados por PERRENOUD, ao qual eu adiciono algumas de minhas experiências: o atual sistema de avaliação favorece uma relação utilitarista com o saber, ou seja, os alunos não trabalham para adquirir novos conhecimentos ou se formarem enquanto pessoas, mas trabalham simplesmente pela nota.

Assim, professores e alunos assumem papeis antagônicos: enquanto o aluno luta pela nota, nós procuramos os erros para tirar a nota deles; enquanto nós tentamos fazer com que eles trabalhem o máximo possível para crescer academicamente, dominar novos assuntos, entender a sociedade, eles tentam fazer o mínimo possível para curtir os prazeres da infância e adolescência, como uma saída com os amigos ou uma tarde no celular, videogame.

E, ainda, eu pergunto: qual a diferença entre o estudante que copia seu trabalho da Wikipédia e o que cópia de uma IA?

É possível ampliar essa discussão comparando os dois comportamentos de pesquisa: os alunos que não utilizarem as IAs teriam que, pelo menos, buscar alguns textos, ler algumas páginas até encontrar a mais adequada e, por fim, até desenvolver a capacidade de identificar palavras-chave realizar pesquisas mais eficientes. No entanto, isso meio que já não acontece há algum tempo. Por exemplo, se em uma pesquisa eu peço para eles "explique como foi a ocupação da Região Centro-Oeste do Brasil", pouquíssimos vão buscar por "ocupação Centro-Oeste", a maioria vai repetir o texto que descrevia o que deve ser pesquisado, tratando as páginas de busca como se fossem IAs.

E ainda: qual a diferença entre o aluno que copia um texto da IA e o estudante dos anos 1980 e 1990 que simplesmente copiava seus trabalhos das enciclopédias?

Agora é com vocês

* Sou formado em Bacharelado e Licenciatura pela FFLCH/USP, trabalho dando aulas no ensino fundamental e médio desde 2012.

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